Inovação e Regionalização em Saúde: Reflexões sobre a 5ª Mostra Estadual de Práticas de Saúde do Rio de Janeiro
Introdução

Nossa participação na 5ª Mostra Estadual de Práticas de Saúde, realizada no Campus Manguinhos da Fiocruz em abril de 2025, revelou-se extraordinariamente produtiva. Este evento, fruto da parceria entre o Cosems/RJ e a Plataforma IdeiaSUS, proporcionou um mergulho nas inovações que pulsam no coração do SUS fluminense. Como testemunhas do diálogo entre o saber acadêmico e a criatividade territorial, pudemos compreender que a transformação do sistema de saúde acontece nas pequenas revoluções cotidianas de equipes comprometidas que enfrentam desafios com inventividade. Neste relato, compartilhamos aprendizados e inspirações colhidas durante nossa jornada pelos caminhos da inovação em saúde pública.
A busca por soluções inovadoras no Sistema Único de Saúde (SUS) constitui um movimento constante de aprendizagem e troca de experiências entre os diversos atores da saúde pública brasileira. No dia 29 de abril de 2025, tive a oportunidade de participar da 5ª Mostra Estadual de Práticas de Saúde, organizada pelo Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Rio de Janeiro (Cosems/RJ) em parceria com a Plataforma IdeiaSUS da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), realizada na Tenda da Ciência no Campus Manguinhos da Fiocruz. Este evento representou um verdadeiro laboratório vivo de experiências transformadoras no âmbito da saúde pública fluminense, onde gestores, profissionais e pesquisadores dialogaram sobre iniciativas que têm revolucionado o cuidado em saúde nos diversos municípios do estado.
O Mosaico de Práticas Inovadoras
A programação da manhã iniciou-se com um café da manhã seguido pela mesa de abertura, composta por representantes da Fiocruz, do Cosems/RJ e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Esta configuração já sinalizava a articulação interinstitucional necessária para fortalecer as políticas públicas de saúde, demonstrando o compromisso com a construção coletiva do SUS. A mediação conduzida por Claudia Beatriz Le Cocq D’Oliveira, da Plataforma IdeiaSUS, proporcionou um debate rico e fluido entre os participantes.
O primeiro bloco de apresentações na Tenda da Ciência trouxe à tona experiências municipais que redimensionam o conceito de acesso à saúde. Entre as práticas apresentadas, destacou-se o projeto “O SAD como facilitador do acesso ao serviço de saúde bucal no município de Saquarema”, apresentado por uma enfermeira identificada como Mariana. Esta iniciativa pioneira incorporou a saúde bucal ao Serviço de Atenção Domiciliar, ampliando significativamente o escopo da atenção primária. Os resultados demonstraram redução de agravos bucais e fortalecimento do vínculo entre usuários e equipe de saúde, exemplificando perfeitamente como a integralidade do cuidado pode se materializar em ações concretas.
A prática “Café, Cavalo e Carinho”, apresentada pela psicóloga Marina Gonzalez de Paty do Alferes, revelou a potência das abordagens terapêuticas não convencionais. Ao integrar o contato com animais, especificamente cavalos, no tratamento de pacientes de residências terapêuticas tipo 2, o projeto conseguiu resultados surpreendentes na redução de episódios de agressividade e melhoria na verbalização e aceitação do toque. Esta iniciativa evidencia como a sensibilidade clínica e a criatividade podem transformar um contexto rural em oportunidade terapêutica singular.

Gestão e Regionalização como Pilares da Transformação
As apresentações relacionadas à reorganização dos processos de trabalho e fortalecimento da regionalização demonstraram como os desafios de gestão podem ser convertidos em oportunidades para qualificação do cuidado. O município de Barra do Piraí apresentou sua experiência de regulação e matriciamento na rede de saúde bucal, alcançando uma expressiva cobertura de 81% através de estratégias como revisão de protocolos, controle de agendas e aproximação entre atenção primária e especializada.
Particularmente impactante foi a apresentação sobre o “Programa Mais Acesso a Especialistas e o fortalecimento da regionalização no SUS”, conduzida por Rosângela Bello, representante do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Baixada Fluminense (Cisbaf). Este projeto ilustra como a cooperação intermunicipal pode otimizar recursos e ampliar o acesso à atenção especializada. A iniciativa desenvolveu métricas específicas para cálculo de produção estimada, estabeleceu núcleos de gestão e regulação regional, e já viabilizou um investimento de 120 milhões de reais no programa. A ênfase na mudança do fluxo informacional, partindo da atenção básica para coordenar o acesso à especialidade, demonstra uma reorientação conceitual importante no modelo assistencial.
Complementarmente, as apresentações sobre algoritmos inteligentes para qualificação de filas (Armação dos Búzios) e a implementação do PMAE na região Noroeste (Itaperuna) evidenciaram o potencial da tecnologia e da gestão integrada para superação das históricas filas de espera para atendimento especializado.

Integralidade e Linhas de Cuidado
O segundo bloco de apresentações na Tenda da Ciência trouxe experiências focadas em linhas de cuidado específicas e abordagens territoriais para problemas complexos. A experiência de Angra dos Reis com gestão de risco de desastres demonstrou como a saúde pode estruturar respostas integradas a eventos extremos, com destaque para a capacitação de 1.300 profissionais e o desenvolvimento de oito tipologias de treinamento. A compreensão de que os impactos na saúde mental podem se manifestar até um ano após eventos desastrosos revela uma visão ampliada do processo saúde-doença.
As linhas de cuidado para condições crônicas foram representadas pelas experiências de São Gonçalo (infarto agudo do miocárdio) e Volta Redonda (oncologia). Em São Gonçalo, a implementação de tele-eletrocardiograma e protocolos para administração de trombolíticos resultou em redução significativa da mortalidade por infarto. Já a experiência de Volta Redonda focou na otimização do diagnóstico oncológico através de uma linha de cuidado estruturada com fichas de referência prioritárias, encontros mensais para discussão de casos e acompanhamento da trajetória completa do paciente, do primeiro sintoma até o tratamento.
As iniciativas de Santa Maria Madalena (saúde da mulher nas confecções) e Paraíba do Sul (zoonoses e vetores na escola) exemplificaram como as ações de saúde podem ser potencializadas quando articuladas com as realidades socioculturais e econômicas locais.
Saúde Digital: Fronteiras e Possibilidades
Um dos pontos altos da programação foi a Mesa Temática “Saúde Digital: inovações e experiências do SUS”, conduzida pelo Dr. Hêider Aurélio Pinto, médico sanitarista, doutor em Políticas Públicas pela UFRGS, docente da Universidade Federal da Bahia e pesquisador da UNIFESP. Esta palestra ocorreu no período da tarde (14h às 15h) e trouxe reflexões fundamentais sobre como as tecnologias digitais podem reorganizar processos assistenciais e gerenciais no SUS.
A abordagem do Dr. Hêider convergiu com várias das práticas apresentadas anteriormente, especialmente aquelas que incorporaram ferramentas digitais como os algoritmos inteligentes de Armação dos Búzios e o tele-eletrocardiograma de São Gonçalo. Sua fala evidenciou como a saúde digital não constitui apenas um conjunto de ferramentas tecnológicas, mas representa uma transformação paradigmática na organização dos sistemas de saúde, permitindo maior resolubilidade, equidade e humanização do cuidado.

Considerações Finais
A participação na 5ª Mostra Estadual de Práticas de Saúde proporcionou um mergulho nas potencialidades do SUS fluminense e nas diversas formas de materialização dos princípios de universalidade, equidade e integralidade. As práticas apresentadas revelaram como a criatividade, o compromisso ético e o conhecimento técnico-científico combinam-se na construção de soluções para os desafios da saúde pública.
A diversidade das iniciativas – desde o uso terapêutico de cavalos até o desenvolvimento de algoritmos inteligentes para qualificação de filas – evidencia que a inovação em saúde pode emergir de diferentes contextos e abordagens. O denominador comum entre todas as experiências é o compromisso com o fortalecimento do SUS e a melhoria da qualidade de vida da população.
O evento encerrou-se com a premiação e lançamento do livro e vídeos das práticas premiadas da Mostra de 2023, reafirmando a importância da documentação e disseminação dessas experiências para inspirar novos projetos e qualificar a gestão da saúde em outros territórios.

A 5ª Mostra reafirmou que a construção do SUS é um processo coletivo, onde o intercâmbio de experiências e a valorização das iniciativas locais constituem estratégias fundamentais para o enfrentamento das desigualdades em saúde e o fortalecimento da democracia sanitária no Brasil.